quarta-feira, 31 de julho de 2013

O Cúmplice e o Assassino - Capítulo 9

9
Eles ficaram em silêncio após a leitura da carta de Valéria. Ambos emocionados. Abeline lembrou-se de seu amado que morreu há anos. Ele era motorista de caminhão, vivia fazendo entregas e só chegava em casa nas noites de sexta-feira, de certa forma ela já era uma pessoa um pouco só, mas quando ele partiu naquele temeroso acidente, onde dois caminhões se colidiram numa rodovia em uma tarde chuvosa, ela se sentiu muito mais só. Foi aí que August a acolheu. Conheceu-a em um restaurante muito bonito, onde ela era cozinheira. August gostou dela e a convidou para trabalhar com ele. Como recusar um convite desses, direto do dono da Metal Industrial? Portanto, aventurou-se em seu mais novo emprego e foi muito bem recebida. E tornara-se muito amiga de August.
        – Já nem me lembrava mais o quanto é bom termos parentes. 
        – É – concordou Abeline, recordando-se de sua única companhia quando seu marido viajava: Natan, seu filho único, que se casara com uma doce moça, Bárbara. Ambos eram muito novos ainda, mas se amavam. Viviam viajando pelo mundo inteiro, conhecendo lugares, pois Natan era formado em Turismo, e dificilmente mandava notícias à mãe. 
– O senhor vai jantar agora? – Abeline quebrou o silêncio. 
        – Ah sim, vou – respondeu o velho, dobrando a carta e depositando-a no envelope. Levantou-se e foi até a sala de jantar, acompanhado por Abeline. 
        – Não demoro – disse ela. – Vou servir o jantar daqui a pouquinho – e saiu. 
        August sentara-se feito um rei, a mesa era enorme, coberta por uma toalha branca muito detalhada com linhas cor de ouro, completando uma elegância absoluta. Nas paredes tinham pequenas luzes vermelhas, dando a impressão de que o ambiente era quente, mas não era, pois o ar-condicionado estava ligado. Disseram a August que a cor vermelha instigava a fome, e foi por este motivo que mandou instalar as tais luzinhas. 
        Abeline pediu para que o ajudante do cheff de cozinha fosse servir August, que jantou sua deliciosa refeição, vagarosamente, como sempre. Após a sobremesa ele retirou-se da sala de jantar e foi ao salão principal. 
Ele chamou Abeline para que conversassem sobre o possível testamento. 
– Gostou do jantar? – perguntou ela. 
        – Estava maravilhoso, como de costume, Abeline. 
        – Que ótimo – e sentou-se ao seu lado. Na imensa sala vazia. 
        – Pois bem, – começou ele – novamente quero agradecer a você, porque tirou uma preocupação muito grande de cima de mim, já não conseguia mais trabalhar direito, acredita? 
        – Aham. 
        – Então, vou fazer um testamento Abeline, você acha que devo? 
        – Sr. August – iniciou ela – não vejo mais motivos para que o senhor adie essa sua decisão, e além do mais, se isso te preocupa, e não te faz bem, é melhor que resolva logo. Mas pense, não se alvoroce, tudo tem que ser feito com calma. Está bem? 
        O velho assentiu. E tinha como discordar? 
        – Vejamos, eu primeiramente penso nas minhas irmãs. 
        Ele deixou sua mente divagar. Lembrou-se dele, que já era um homem formado, e de suas duas irmãs bem pequenas, Valéria e Isadora, que brincavam em um campinho ali perto de sua humilde casa. Seus pensamentos foram a um dia ensolarado, onde num piquenique, suas irmãs prometeram que nunca iriam se separar, tinham somente sete e oito anos na época, não sabiam como a vida era uma surpresa. 
        Pois bem, as meninas cresceram, e o singelo pacto de nunca se distanciarem, foi quebrado, cada uma tomou um rumo diferente, a mais radical fora Valéria, que “sumiu do mapa”, como diziam Isadora e August. 
        As duas eram mulheres muito decididas. Poderiam ter a vida que quisessem, pois August poderia dar, ele era rico, mas nenhuma quis. Queriam ganhar a vida com o próprio suor. Eram teimosas quanto a isso, mas August tinha que aceitar. 
        – Bom, então – disse August depois de um longo silêncio, retornando a realidade –, como ia dizendo, vamos acabar com isso logo, não é mesmo? 
        – Sim – disse sua empregada encorajadora. 
        August não tinha segredos com ela. Abeline era a única empregada, e única pessoa, que sabia de todos os lucros e gastos dele. Ela sabia muita coisa. 
        O senhor subiu em seu quarto pedindo que Abeline o acompanhasse. Chegaram lá e fecharam a porta. August pegou sua maleta e retirou um computador de mão, para fazer os cálculos. 
        
        Ele suspirou. Pegou uma pequena caneta especial e encostou-a na tela do aparelho... Na planilha agora, encontrava-se o nome de Valéria e Isadora, e na frente de cada um deles, ele digitou valores, não exatamente em números, mas em bens. Logo em seguida falou para Abeline: 
        – Deixarei a Metal para Isadora – sua voz era um pouco rouca, mas decidida. – Para Valéria, deixo minha mansão e certa porcentagem dos lucros da empresa, isso gira em torno de... – ele parou, pensou, e depois digitou 20%. Abeline viu e assentiu. 
        – E para você... 
        – Ah não Sr. August, – disse ela, assustando-o – o dinheiro que eu juntei ao longo desses anos já dá para eu me virar muito bem, pois o que o senhor me paga de salário já está bom demais. 
        – Mas Abeline... 
        – Mas nada, Sr. August, o senhor já me paga muito mais do que eu deveria receber. Não preciso de mais. Entende? – rebateu a humilde senhora. 
        – Entendo, entendo sim. Eu entendo que o testamento é meu, e sei o que faço, e, ah! Não me interrompa – advertiu. – Vou fazer o que bem entender Abeline. E por favor, não me atrapalhe, sei que é bem humilde e não quer, mas eu quero dar. Ouviu, não é? 
        – Mas Sr. August... 
        – Mas nada, Abeline – disse ele, no mesmo tom que ela usara para falar a mesma frase de advertência. Os dois riram. 
        Agora, na planilha, encontrava-se o nome de Abeline, e uma porcentagem de cinquenta por cento do dinheiro de sua poupança, e a outra metade era dividida entre os empregados e instituições de caridade. 
        – Sr. August! – Abeline pulou, assustando-o. 
        – O que foi mulher?! – disse ele espantado. 
        – Não posso receber tudo isso! É muito! Nem sei o que fazer com tanto dinheiro, o senhor deve ter milhões de reais guardados. Minha nossa! O senhor enlouqueceu? 
        – Não senhora. E não diga que estou louco. Estou perfeitamente bem. Você é a minha melhor amiga, Abeline, devo isso a você, e por favor, não me atrapalhe – falou ele com sua voz de censura e olhando-a de canto. Ela estava com as mãos na boca, parecia chocada. Meu Deus, deve ter muito, mas muito dinheiro em sua conta! Ela nem conseguia imaginar o quanto. – E outra coisa – começou ele. – Não me dê outro susto como esse, posso morrer antes mesmo de terminar os meus cálculos. 
        Eles riram. E continuaram a fazer a distribuição dos bens de August. 
        – Pronto! – disse ele por fim. – Feito! 
        – Ótimo – falou Abeline, ainda assustada com os valores distribuídos: a Metal para Isadora, a mansão e vinte por cento dos lucros que a empresa tiver para Valéria, cinquenta por cento do dinheiro que constava na poupança de August para Abeline, vinte e cinco por cento para serem divididos entre seus empregados e os outros vinte e cinco por cento para instituições de caridade (ele não listara os nomes delas, deixara a missão para Abeline, que escolheria quais seriam beneficiadas). 
        Uma sensação de alívio caíra sobre o velho, que até o momento estava hipnotizado, vidrado, superconcentrado na distribuição que fizera. Mas como tipicamente, o alívio dele durava pouco, culpa de uma coisa que era rara, mas existia: pessimismo. Ele olhou para sua empregada e falou: 
        – Abeline, relaxe um pouco – disse ele ao ver sua expressão. Os dois pareciam sentir a mesma coisa. Algo inquietante. 
        – Relaxar, Sr. August? 
        – Sim. Não há nada com que se preocupar mulher – disse ele, mas se contradizendo, pois estava preocupado com algo também. – Quero lhe perguntar uma coisa. Você acha que a distribuição foi feita de forma correta? Justa? 
        – Olha senhor, de certo modo foi, mas ao mesmo tempo não. Quanto aos bens que deixara para suas duas irmãs eu concordo plenamente, mas em relação a... 
        – Ah, Abeline. De novo? Não, não quero ouvir o que você tem a dizer, a sua parte já está decidida, não discuta comigo sobre isso, está bem? Certo? 
        – Hmmm. Tá, tá. Já sei que não posso mudar sua cabeça dura. Desisto. 
        – Bom mesmo – disse August, deixando a preocupação sumir aos poucos.

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