terça-feira, 30 de julho de 2013

O Cúmplice e o Assassino - Capítulo 7

7

Um mês depois, ainda com tamanha melancolia, a voz de Ricardo sussurrava-lhe a mesma frase, principalmente na hora de dormir. Valéria estava achando que enlouquecera, mas tinha certeza de que era por causa da morte do seu amado. Não. Eu não estou louca... Só o amava muito, a ponto de acreditar que, mesmo depois de um mês, ele viria. Viria para mim, para ser meu novamente... 
        Valéria acordou tarde, coisa que ela não fazia antes de perder o Ricardo. Sua alimentação saíra do ritmo. Comia qualquer coisa e a hora que quisesse, mas nessa manhã o horário para comer quem decidiu foi seu estômago, que fez um barulho estranho, pois a última refeição que fizera, fora ontem, no almoço. 
        Ela foi preparar algo para comer. O cheiro de ovos com bacon inundava a casa. E pela primeira vez, desde a perda, Valéria sentiu vontade de comer. Vontade e necessidade. 
        Sentou-se a mesa, pensativa. E tomou uma decisão. Rápida. Certa. Feliz. Valéria deu seu primeiro sorriso num período de um mês. 
        Chegou, na manhã do dia seguinte, no orfanato mais próximo de sua casa. Ela estava bastante preocupada em relação à escola. Ligou para a diretora, horas antes, e contou o que ela desejava fazer. 
        – Então, Sra. Jane, quero adotar uma criança. Eu preciso... 
        Conversaram por quase meia hora. “Seja feliz”, desejou a diretora, dando-lhe seis meses para apreciar o seu filho, ou filha. Valéria ainda não decidira. “Obrigada Sra. Jane, obrigada mesmo”. 
        Ela estava feliz, mas sabia que sua criança cresceria sem a presença do pai, como se isso estivesse destinado, mas ela daria tudo de si para preencher o espaço dele. Valéria seria mãe e pai ao mesmo tempo. Era difícil, ela sabia muito bem disso, mas tinha que ser forte. Ela queria. Desejava. Tinha que dar certo. O amor que havia se escondido nela, começou a ressurgir, e ela o daria para o seu filho. 
        Ela estava bastante nervosa no orfanato, observando as crianças brincando. Se pudesse levaria todas e formava uma creche na própria casa. Mas isso não era possível, pois não teria como sustentá-las... Mesmo depois de horas vendo as crianças, não sabia qual iria adotar. O lugar era bem bonito. Clássico, mas ao mesmo tempo divertido. Os jardins estavam com flores lindas. E as crianças brincavam. Olhavam Valéria às vezes, com um sorriso extremamente contagiante. São lindas demais, pensava ela. 
        A diretora do orfanato, uma velha simpática, andava com ela, apresentando o lugar e expondo as crianças. Contava-lhe também sobre a história do lugar, e a felicidade que ela sentia em acolher aquelas crianças. “Vinte e cinco anos, minha querida, são vinte e cinco anos que eu venho acompanhando isso, fazendo esse trabalho”, dizia. Valéria achava isso muito bom, pois também era apaixonada pelo que fazia. Estar ao lado das crianças era muito bom. E agora, ela teria a sua própria criança. 
        Tudo estava acontecendo normalmente, até que a responsável pelo orfanato recebeu um chamado, em sua sala. Valéria fora convidada para acompanhá-la, e aceitou. Subiram a escadaria central, Valéria imaginava o seu interior totalmente diferente, não era tão moderno como havia pensado, mas era muito bonito. O chão, de tão limpo que estava, refletia sua imagem, quase que com perfeição. Ao longe ela avistou um grande relógio em cima de uma porta. Deve ser o pátio de recreação das crianças, adivinhou, pois a Sra. Neele havia comentado. Agora andavam num corredor largo. Via também uma escada logo ao fim desse corredor. Os quartos, pensou, pois lembrava da descrição feita pela velhinha. 
        – Se as crianças tentarem aprontar, por exemplo: sair do quarto fora do horário, terão que passar por minha sala – dissera ela com um sorriso. – Mas isso não acontece, são bem obedientes – acrescentou brincalhona. 
        Chegaram a uma porta aberta, onde se lia, logo acima: DIRETORIA, e com letras semelhantes às de convites de casamentos estava o nome da diretora, escrito em preto, contrastando no prata. 
        A Sra. Neele sentou-se em sua cadeira, muito confortável por sinal, e pegou o fone, que estava na mesa, sua ajudante, uma jovem moça, havia deixado ali, à espera. Ela colocou-o no ouvido, e olhou para Valéria, com seus olhinhos verde-escuros. 
        – Alô? 
        – Oi, eu encontrei uma criança abandonada num jardim, aqui na Rua 19... 
        – Quem fala? – perguntou a Sra. Neele, preocupada. 
        – Eduard! Mas isso não importa agora! Por favor, venham rápido, é um bebê recém-nascido... –         Eduard falava com certo desespero. 
        – Você já acionou a polícia? 
        – Sim, mas logo pensei em vocês também. Vou lhe passar o endereço... 
        Ele começou a citar. 
        – Tá! Rua 19, não é mesmo? Estou a caminho... – informou a Sra. Neele. 
        O telefone ficou mudo. 
        – Você vem com a gente? – propôs ela. Valéria estava um pouco assustada com o que ouviu, e num movimento involuntário, balançou a cabeça positivamente. Sem dizer nada. 
        – Ótimo – disse a dona do Orfanato Pequenos Anjos. – Gabriele! – chamou, elevando um pouco o volume de sua voz, e prontamente a jovem apareceu. Aparentava ter uns vinte anos, não mais que isso pelo menos. Era branca, a pele aveludada, olhos castanhos, grandes, e um queixo fino. Vestia-se muito bem, e estava óbvio que ela era extremamente educada. 
        – Sim. O que deseja, senhora? – perguntou ela. Sua voz era doce. Calma. Sua boca era perfeita, carnuda e vermelha. – Sim, chamarei, só um minuto – respondeu ela, quando a Sra. Neele pediu para que ela fosse até a enfermaria e chamasse alguém. 
        Quando ela já estava saindo da sala, a Sra. Neele a chamou novamente: 
        – Por favor, solicite o motorista também. Tá certo? 
        – Claro. Com licença. – E saiu. 
        Que perfeita essa moça – pensou Valéria. 
        Logo que o carro estava pronto elas saíram da sala.         

        A Sra. Neele estava ao lado do motorista, e no banco de trás encontrava-se, ainda assustada, Valéria e uma jovem enfermeira que a acalmava.  Valéria não se sentia muito bem ao lado de uma enfermeira. Isso a lembrava hospital, coisa que ela não gostava nem um pouco. Tinha sorte, pois raramente tinha que ir. Ainda bem
        Depois de longas ruas, o carro entrou na próxima curva, à direita, onde tinha uma placa indicando: Rua 19. E não muito distante, via-se um garoto acenando com uma mão, e a outra segurava algo enrolado num lençol branco, que estava sujo de sangue. Era o bebê. 
        Encostaram o carro próximo às viaturas. Os policiais estavam tomando as providências. 
        O coração de Valéria bombeava tanto, que parecia que ia explodir naquele momento. Ela estava ruborizada. “Calma”, falava a enfermeira. “Está tudo bem”. 
        Ao ver aquela criança chorando, nos braços de Eduard, e depois nos braços de um dos policiais, ela se emocionou bastante, e começou a chorar. Pois, se tudo corresse como ela estava pensando, e querendo, a indecisão de qual criança adotar, já fora exterminada, pois Valéria já estava apaixonada por aquele bebê... 
        – É de cidadãos assim que a sociedade precisa. Parabéns, acabou de salvar uma vida – disse um dos homens fardados. 
        – Obrigada meu jovem – agradeceu a Sra. Neele. – Você fez a coisa certa. O Orfanato Pequenos Anjos agradece também. 
         – Imaginem. Eu que agradeço. Não poderíamos deixar este bebê aqui. Obrigado! – O rapaz tinha os olhos esbugalhados. Estava assustado, mas feliz. 
        Os PM’s cuidariam do caso primeiramente, depois envolveriam o orfanato na história, e daí sim, Valéria poderia chamar aquela criança de “meu filho”. 
        A enfermeira Liza entrou no carro junto dos outros, estava tranquila porque o bebê estava em boas mãos. A senhora de cabelos ruivos deu as últimas palavras com Eduard, e depois falou com um policial. 
        No carro, Valéria pensava naquela pequena criatura. Desejando-a. Ricardo ria, em seu pensamento. “Ele é lindo”, disse ele. Valéria ficara mais feliz, seus batimentos iam cessando aos poucos. 
        
Dias passaram-se, e Valéria teve sucesso na adoção. Ela estava explodindo de alegria. Nunca imaginara como era tão bom ter um filho para cuidar. Tudo bem que ela já cuidava de muitas outras crianças, mas essa era dela. Era o filho dela! Todos os seus amigos visitavam o bebezinho, principalmente as crianças. Eles riam com as caretas do bebê. Queriam passar a mão nele e cheirar seu cabelinho. Valéria estava mais feliz do que nunca. 
        Depois de aprontar o seu filho, Valéria pegou um papel e sua caneta preferida. E com uma caligrafia de dar inveja, ela começou escrever uma carta. 
        – Faz tanto tempo que não nos falamos – disse para si mesma.

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