quarta-feira, 24 de julho de 2013

O Cúmplice e o Assassino - Capítulo 5


5 
Meses depois, todos souberam o motivo pelo qual August desmaiara. “Nossa! Com essa proposta até eu desmaiaria. E acho que não ‘voltaria’ mais”, disse uma mulher ruiva para outra, após a reunião do Sr. Ralf declarando o novo dono da empresa: o Sr. August. Todos ficaram surpresos, e alguns até chocados. “Tudo bem que o Sr. August é um homem de talento, correto e extremamente profissional, mas por que dar a ‘coroa’ para ele?”, perguntou um homem, inconformado. E seu colega, com um risinho amostra, respondeu: 
        – Porque ele é um homem de talento, correto e extremamente profissional! 
       August, antes de assinar toda a papelada da “herança”, sabia muito bem que passaria por momentos difíceis, sofreria com a fama, com a inveja, com problemas técnicos e tudo mais que aparecia com o sucesso, mas aceitara mesmo assim, aliás, não é todo dia que recebemos uma oportunidade dessas. E doar-se-ia de corpo e alma para aquela empresa. Sua empresa.
     Era verão e mesmo de noite fazia calor. Um August, diferente daquele de anos atrás, fora um dos últimos funcionários a sair da empresa naquele dia, pois estava tendo algumas reuniões com seus subordinados. 
      O horário de funcionamento da parte administrativa era das dez horas da manhã às sete da noite. Já a outra, que era a área de fabricação dos equipamentos, não parava. Funcionava vinte e quatro horas por dia, divididas em três turnos. 
     August, há alguns dias, estava muito pensativo. Estranho. Sentava-se na sua aconchegante poltrona e ficava ali, martelando algo mentalmente, via-se que não era problema com a empresa, pois ela estava no seu auge, mas era algo que só ele, no momento, entendia. Na sua mesa, tinha uma pequena placa metálica, com os dizeres: “SR. AUGUST KIND, PRESIDENTE”, e ele a fitava. Poderia estar simplesmente olhando para aquele objeto distraidamente, mas não, tinha um motivo. Ali já estivera o nome do falecido Sr. Ralf, seu mentor, que lhe dera o melhor presente de sua vida. 
      O presidente sofria com algo, algo que se mantinha em segredo, era um mistério para todo mundo. “Não é nada. Eu já disse que estou bem”, ele respondia a todos, quando lhe perguntavam sobre seu bem-estar. Mas ele não era convincente. Algo estava errado. 
      Pequenas lembranças do velho Sr. Ralf passavam por sua cabeça, como poeira ao vento. Lembrara-se de uma das conversas que tivera com ele. “Mas Sr. Ralf, não quero que me tenha como um mal-agradecido, mas por que está me dando tudo isso?”, “Não tenho mais família, meu caro, sou filho único, de filhos únicos, lembra-se? Eu não tenho filhos, esposa, eu não tenho mais pais, eu não tenho tios, primos... muito menos netos. E já estou velho, August, tenho que deixar o meu lugar para alguém que confio muito. Você é confiante. Você é ótimo no que faz. Você... eu gosto muito de você e sei que fará dessa empresa uma das melhores do mundo”! 
     August não sabia o que falar. “Obrigado”, disse abobalhado, e aceitando a explicação do velho amigo. 
      – Agora vamos discutir sobre os negócios, sei que sabe de muitas coisas, mas terá que aprender muitas mais. Certo? – perguntou o Sr. Ralf. August concordara, e desde então, não mais perguntou sobre a sua decisão. 
       A preocupação voltara. August, ultimamente, só pensava numa coisa. Herança. Para quem deixar aquele reino? Pois a sua solidão era semelhante a que tivera o antigo dono da Metal Industrial, August teria que fazer o mesmo que fizera o Sr. Ralf. Pois estava velho. Chegando na idade em que seu falecido amigo deixara tudo para ele. 
       – Não me casei e não tive filhos – ele sussurrava, no seu imenso escritório, batendo a ponta do lápis na mesa, incansavelmente, num ritmo só. Sinal de inquietação dele. – O Sr. Ralf era filho único, mas eu não sou. Tenho duas irmãs – os movimentos com o lápis aceleravam-se. E quando fez um “tec”, ele parou, a ponta se quebrara no mesmo instante em que tivera uma grande idéia, que provavelmente, acabaria com esse seu sofrimento. Mas minutos depois, ficara muito mais pensativo. E agora calado. 
      Após sair do escritório, rumou-se ao enorme estacionamento, seu carro estava lá. O motorista o esperava, como de costume, junto ao forte segurança, que estava ao seu lado. 
       – Boa noite. 
       – Boa noite, Sr. August! – responderam. Era sempre assim, dia após dia. 
     O senhor entrou no carro. O segurança acomodou-se ao seu lado, e o motorista fez o motor da máquina roncar. Era um carro importado, com tecnologia de ponta. Quem olhava ficava encantado, mas logo se espantava com o preço. Custava 250 mil dólares. O seu motorista sentia orgulho em dirigi-lo. O carro tinha o seu interior todo em couro, computador, que era ótimo para August, e era super confortável. Os seus exagerados cavalos de potência deixavam qualquer um abobalhado. E sua cor, preta (com alguns detalhes foscos, na cor chumbo) era indiscutivelmente elegante. Um carro digno para um homem como ele, um dos mais conhecidos do mundo. 
       – Cansado senhor? – perguntou Punch, o segurança. 
       Silêncio. 
       – Senhor? – insistiu ele. 
      – Ahm? Oi? Desculpe-me! Eu estava distraído. O que foi que disse? – August, com certeza, não estava bem. Pois ele era sempre atento a tudo. 
        – Nada – falou Punch. – Só perguntei se o senhor estava cansado... mas vejo que sim. 
        O velho balançou a cabeça, com alguns tufos de cabelos brancos que ainda lhe restavam. Logo em seguida, o seu motorista de longas datas e um tanto íntimo, lhe perguntou: 
        – O senhor está bem, mesmo? 
        – Sim. 
        – Certeza? 
        – Sim. 
        – Não quer que o levemos ao seu médico? – perguntou Punch. 
        – Não, obrigado. Já falei que estou bem. Não é nada – ele já não aguentava mais essas perguntas: “Você está bem? Certeza? Já está melhor? O que há de errado?”. Todo mundo tem problemas, pensava ele. Eu posso ter os meus também, não posso? Sou igual a todos, a vida não é uma maravilha! Hmm, estou sendo muito dramático comigo mesmo... vou tentar relaxar... ninguém precisa saber que estou preocupado. 
      Punch olhou para Pedro pelo espelho retrovisor e ergueu as sobrancelhas. O motorista fez o mesmo, e permaneceram calados, com a mesma opinião: algo preocupa August. Isso era obvio. 
     Após alguns minutos, no carro preto refletiam as luzes da entrada da mansão. Era muito grande. Inteirinha branca com detalhes em creme. Tinha jardins e mais jardins, um verde que dava a volta na bela casa. Havia ali, na entrada, uma cabine de segurança. Um homem lá de dentro, logo após confirmar que era Pedro o motorista do carro, apertou um botão que fez com que os enormes portões se abrissem, lentamente. August suspirou alto. Os dois olharam para ele. August os encarou, mas logo cedeu – Estou bem, acreditem. Obrigado pela preocupação, mas não é nada. 
       Punch e Pedro se olharam, de canto de olho, mas não disseram nada. August não tinha a habilidade de mentir, ele não era convincente falando que estava bem, pois cada músculo de seu rosto dizia o contrário. Stress. Cansaço. E não somente, velhice. Quem não o conhecia, naquele dia, falaria que August era um velho rabugento. Chato. 
      Desceram do carro quando ele parou. Enquanto Punch e Pedro conversavam no jardim, August, com passos ligeiros, entrou na mansão. Alguns de seus empregados estavam na sala principal, e lhe cumprimentaram quando ele passou: 
       – Muito boa noite, Sr. August! – E ele, com um sorriso no rosto, os respondeu: 
       – Boa noite! 
        August há muito tempo, recebia essa calorosa recepção de todos os seus subordinados. E ele adorava. 
        Alguém o seguia pela escada que ia até o seu quarto. Era uma senhora gorda, com o uniforme preto e com alguns detalhes brancos – típico. Seus cabelos grisalhos estavam muito bem penteados, formando um coque em cima de sua cabeça, preso por uma redinha preta. Seu nome era Abeline, a empregada preferida de August. Pois já trabalhava com ele há muito tempo. Servia-lhe também como conselheira. Dava bronca quando era necessário e elogiava quando achava que devia. Enfim, a Sra. Abeline era mais que uma empregada. Era uma companheira. Uma amiga. 
      Todos os seus empregados recebiam sua inteira confiança. Todos ficavam ali, praticamente moravam com o dono da casa. Cada um tinha o seu quarto, faxineiros, seguranças, cozinheiros, e etc. August era muito generoso, tinha o coração bom. 
       Ele entrou no quarto, enorme, e colocou sua maleta no canto de sempre. Resmungou alguma coisa.
        – O senhor está bem? – perguntou Abeline. 
        – Ah não, mais uma – respondeu ele, sem emoção. – Estou, estou bem sim. 
        – Não está. 
        – Estou – insistiu ele. 
        Abeline lhe lançou um olhar, como quem desmente alguém ou descobre algo, e falou, com sua voz tranquilizante, mas ao mesmo tempo desafiadora: 
        – Meu caro senhor, a velha aqui, sabe muito bem quando o senhor não está bem! Não tente me enganar! 
        – Tá – respondeu August, como uma criança medrosa. – Eu não estou tão bem assim... – assentiu. Abeline não disse nada. Só escutava. E ele, sem defesa, começou a contar o que o preocupava tanto. 
        – Pois bem, pra você eu vou falar. Ontem eu tive um sonho. Digamos que era ruim, certo? – August sentou-se na cama com lençóis azul-claros e edredom branco, as almofadas pareciam pequenas nuvens, de tão macias. Abeline só o olhava, esperando o resto da história. – Daí, nesse sonho, eu estava muito mais velho, quer dizer, mais velho. Porque se eu tivesse muito mais velho, estaria morto, não é mesmo?         – brincou ele.

      – Não diga isso Sr. August – advertiu Abeline.
     – Tá bom, não precisa falar assim nesse tom de censura... Então, eu, pra falar a verdade, estava quase morrendo, e me veio a imagem do Sr. Ralf e da Metal, logo após surgiram algumas perguntas. Quem tomaria conta de minhas coisas? Das minhas riquezas? Da Metal?! Quem Abeline? 
        – Calma senhor. Vamos analisar os fatos, está bem? Eu pra ser sincera, acho que o senhor deveria ter se preocupado há muito tempo com isso, não acha? – August fez que sim com a cabeça. – Mas ainda é tempo – continuou Abeline. – Que tal fazer um testamento para seus parentes? Ou melhor dizendo, para as suas duas irmãs? São as pessoas mais próximas do senhor – sugeriu Abeline. Sempre no seu tom firme, mas calmo. “Dá-se um jeito para tudo”, ela dizia. 
      August ficou pensativo por alguns instantes, reorganizando as palavras que acabara de ouvir. Abeline é demais! E depois falou, com a voz meio cortada: 
        – Ótima ideia! Muito obrigado! 
        Na verdade isso era óbvio demais. 
        – Por nada – respondeu a senhora sem nenhuma humildade, sempre se sentia inteligente quando ele a elogiava, mas Abeline brincava com isso, era só para descontrair. Ela era humilde sim. 
        Os dois se olharam, dando risadas, mas logo Abeline parou e disse: 
        – Agora, vamos parar de pensar no futuro e viver o presente. Antes de o senhor chegar eu preparei o seu banho. Do jeitinho que gosta. Então, Sr. August, já pro banho. 
        – A senhora tome cuidado comigo! Não me trate como uma criança! – os dois caíram no riso. 
        Abeline foi pra cozinha e o August para o seu amplo e luxuoso banheiro. Estava mais contente, digamos que melhor. Algo parecia estar resolvido, e até dera um pouco de fome nele. O que teria pro jantar? 
        – Ah! – fez Abeline na cozinha. – Que “cabeça dura” a minha. Quase ia me esquecendo! 
Antes que August começasse seu banho ela o chamou para o lado de fora. Essa Abeline! 
        – Diga! 
        – Quase ia me esquecendo senhor. E olha que nós acabamos de falar nela – ela riu. 
        – Falar de quem? – perguntou August envolto em seu roupão e abrindo a porta devagarzinho. – Nós acabamos de falar de quem? – repetiu. 
        – Da sua irmã – Abeline informou. – Bem, não falamos diretamente sobre ela, mas sim de suas duas irmãs. 
        – Ahm, e o que houve com ela? E qual delas? – August franziu o cenho, uma onda de desespero o invadiu. – É algo urgente? Uma emergência? 
        – Ai senhor, me desculpe, é que nenhuma delas escreve para o senhor. É que hoje, eu fui buscar suas correspondências, e dentre os boletos e demais contas, encontrei isto. 
        Ela segurava um envelope, branco e amassado, cheio de selos. “Para Sr. August”, dizia.

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